“Tanto queima como atrasa”


Iphan não restaura Sioge,  Gentil Braga, etc., e “viaja” de locomotiva Benedito Leite à estação ferroviária


 HERBERT DE JESUS SANTOS
 (jornalista e escritor)
 (JP Turismo/Jornal Pequeno, 30.1.2015)

 
A notícia, no blog do jornalista Joel Jacinto, não poderia ser uma das mais alvissareiras: a antiga Estação da Rede Ferroviária Federal (Reffesa), um dos prédios mais bonitos do Centro Histórico de São Luís, com a locomotiva Benedito Leite,  após sua devida restauração, viraria um complexo cultural e turístico, se não fosse em 14.8.2013, e uma das promessas, que não saíram do papel, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).  Por décadas, depois da Reffesa,   na Avenida Beira-Mar, o imóvel foi ocupado por órgãos da Secretaria da Segurança Pública e, conforme o Iphan, seria recuperado com recursos do PAC Cidades Históricas, e  a desconfiança  do prazo corre por conta de que a reforma do Sioge e do Palacete Gentil Braga, para não irmos mais longe, engrossam a lista dos ilustres esquecidos. 
Enquanto não resolvem a parada, ao lado do prédio se encontra a primeira locomotiva a vapor do Estado, importada da Alemanha e centenária, e exposta ao sol, salitre e chuva, e corroída pela ferrugem, e que recebeu o nome de Benedito Leite, na ocasião governador do Maranhão, no início da primeira década do séc. 20,  idealizador do projeto sobre a Estação João Pessoa, que  carece mesmo de  melhoramentos. Ela operava a tração dos trens, como a maria-fumaça, que inspirou o inesquecível compositor e cantor maranhense João do Vale, no clássico do cancioneiro nacional “Tanto Queima Como Atrasa”, e que parou sua atividade de transporte de passageiros entre São Luís e Teresina, nos anos de 1980.
Folheando sua história, a Estação João Pessoa foi inaugurada em 1929, e, depois da desativação da Reffesa, nos últimos anos abrigou órgãos da Secretaria da Segurança Pública, dentre várias delegacias, que saíram,  ficando por último o Plantão Central, o Departamento de Narcóticos (Denarc) e a Delegacia do Idoso. Há dois anos, anunciaram a revitalização de toda estrutura do prédio, para, voltando às suas características originais, transformar-se em um complexo cultural e de atração turística. Ali, a obra estava estimada em R$ 5,5 milhões e  o Iphan anunciou que o trabalho começaria após o lançamento do PAC Cidades Históricas, no ano retrasado. “Essa obra deve durar um ano e meio e ao final de 2015 vamos devolver o prédio para a cidade, com a estação completamente restaurada", alardeou a superintendente do órgão, Kátia Bogéa. Até agora foi só pra inglês ver.
Será mesmo? — Joel Jacinto resumiu, em 2013,  a descrença, quase generalizada, em seu informe,  com  um irônico “Será mesmo”?  Faz sentido, o descrédito dos observadores mais calejados, em comparação, por exemplo,  ao acontecido com o Palacete Gentil Braga: em reunião, no dia 28.11.2009, o projeto arquitetônico para a reforma foi aprovado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), financiado pelo Iphan,  em parceria com a UFMA,  com o objetivo de restabelecer o edifício azulejado, um dos primores da engenharia lusa,  em que funciona o DAC (Departamento de Assuntos Culturais) da UFMA. Informou-se que, durante o encontro,  estiveram presentes o pro-reitor de Extensão, Antônio Luiz Amaral, arquitetos e Kátia Bogéa, que ressaltou com seu discurso  famoso: “O Iphan tem a missão de promover cada vez mais a transparência dos gastos públicos; além disso, o governo federal tem atuado firmemente no sentido de incentivar o controle social para que as práticas da administração pública sejam pautadas pela legalidade e pela ética. A participação ativa da sociedade é imprescindível para garantir o bom uso dos recursos públicos”.  Amaral enfatizou que essa parceria da UFMA com o Iphan era de grande importância, “Já que o prédio se encontra em situação de desgaste e necessita de uma reforma urgente, e que a partir de agora a universidade vai buscar recursos junto ao governo federal, para que a restauração do prédio comece o mais rápido possível”.
Palavras, como cantiga de grilo— A recuperação foi prevista para ter começo em 2010, e uma das novidades seria a construção de um auditório, que  comportaria cerca de 140 pessoas, além da galeria, onde são expostos  trabalhos artístico-culturais do Maranhão. O autor do projeto arquitetônico, Flávio Grilo, explicou que a ideia era de transformar o Palacete Gentil Braga num ambiente agradável, principalmente com a finalidade de promover a cultura maranhense. Como cantiga de grilo: todo tempo o mesmo tom perturbador e sem mudança.
Com o Sioge, segue a cronologia do descaso — Em 13.5.2014, São Luís acordou  com uma informação bombástica: “UFMA recebe recursos para recuperar o prédio do Sioge (Ao todo, serão destinados R$ 11 milhões, visando a recuperação do antigo prédio do Sioge, que deverá abrigar o Museu da Arqueologia do Maranhão)”. E mais: “Numa solenidade que irá acontecer no Salão de Atos do Palácio dos Leões, na presença da governadora Roseana Sarney, da superintendente do Iphan, Kátia Bogéa; do vice-reitor da UFMA, Antonio Oliveira, e do gerente-geral de Implantação da Refinaria Premium I, no município de Bacabeira, Paulo Turazzi de Carvalho,  irão repassar para o Iphan e para a UFMA o valor de R$ 11 milhões, visando a recuperação do antigo prédio do Sioge, que deverá abrigar o Museu da Arqueologia do Maranhão.”
A Petrobras caiu no poço: um Premium para a politicagem  — O prédio, onde funcionava o Sioge,  na Rua Antônio Rayol, foi cedido pelo Governo do Maranhão, como resultado do processo de licenciamento ambiental da Refinaria Premium I. “A Petrobras, como medida de mitigação aos impactos do empreendimento ao meio ambiente cultural, notadamente ao patrimônio arqueológico, irá repassar, através de convênio o valor de R$ 11 milhões ao Iphan e à UFMA, para a requalificação do espaço”, lá veio de novo Kátia Bogéa.  A Petrobras, em 2014,  caiu no poço dos piores escândalos e roubalheira, na Operação Lava Jato, da Polícia Federal, um “Premium” para a politicagem mais agressiva e impune do País. Continuou a via-crúcis do Sioge, o ponto cultural maranhense melhor conceituado pela intelectualidade brasileira, com seu concurso literário, para incentivar novos talentos, e plano editorial, para a reedição de nomes consagrados, coral, teatro, Vagalume, o suplemento do Diário Oficial do Estado, várias vezes campeão nacional, até 1997,  quando foi acabado por um dos governos de  Roseana Sarney.
O inferno astral do Sioge: abrigo de drogados — Em  seu blog  Quarto Poder, no último 27.1.2015,  o jornalista Aldir Dantas, crítico criterioso e ferrenho do descaso administrativo, não regateou sobre o que considerou hoje abrigo de drogados e parada  de vans: “O prédio é parte integrante do acervo do Centro Histórico de São Luís. A sua grande referência é que no local funcionou o Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Maranhão, um parque gráfico responsável à época por mais de 50% de todos os serviços gráficos do Estado, inclusive o Diário Oficial e edição de livros de autores maranhenses. Para atender interesses de políticos e empresários, a instituição pública passou por sucessivos sucateamentos até ser totalmente extinta.”
Pau de bater em Chico e em Francisco — Dantas, conhecedor dos   bastidores em que espertalhões só querem se dar bem à custa do povo, não deixou por menos sua revolta de formador de opinião pública: “Entendo que é chegado o momento de se dar uma basta na hipocrisia existente, para uma tomada de posição efetiva e a recuperação total do Centro Histórico da Capital. Muitos dos prédios abandonados são de pessoas com recursos para a recuperação de acordo com os princípios emanados pelo Iphan. O interessante é que muitos oportunistas, para se eximirem das responsabilidades da restauração, querem doar para o Estado, diante do elevado valor das obras e preconizando, para mais tarde serem vistos como benfeitores e até mesmo samaritanos.”
Muitas promessas para poucos santos e São Luís — Entre os serviços que ainda serão iniciados, consoante nossa pesquisa, estão a restauração e conservação do Palácio das Lágrimas, Sobrado da Rua da Estrela, Fábrica São Luís, Mercado Central, Estação Ferroviária (prédio da Reffesa), Solar dos Vasconcelos, Teatro Arthur Azevedo, Sobrado da Baronesa, Sioge, Palacete Gentil Braga, Museu Histórico e Artístico, Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, Teatro João do Vale, Centro de Arqueologia e Câmara Municipal. Foram definidas as propostas de reforma da Rua Grande, que terá a fiação elétrica subterrânea com serviços de drenagem e recuperação do calçamento; para a Praça Deodoro, Rua da Paz, Praça da Alegria, Largo do Carmo, Fortaleza de São Luís e construção da Praça das Mercês. Aí soltaram a bomba da incredulidade, com a mesma cantilena do prazo: “A previsão é de que os serviços sejam concluídos em três anos”.  
Um susto de R$ 133 milhões — E permanecemos assustados, e não era para menos,  porquanto, em 2013, assistimos, espalhafatosa, a esta notícia, que deveria aliviar o nosso coração: “Por meio do PAC Cidades Históricas – programa do Ministério da Cultura (MinC) lançado pela presidente Dilma Rousseff, que tem o objetivo de restaurar prédios históricos, contribuindo para a preservação do patrimônio cultural—, estão sendo realizadas intervenções que contribuirão para melhorar a paisagem e o conjunto arquitetônico de São Luís. Serão investidos R$ 133 milhões em obras em 45 espaços históricos”! Nessa história, só sonhar é que não custa muito!

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