Estados e municípios mais pobres gastam mais em verbas e auxílios parlamentares

Juliana Sakai1 
Bianca Berti 
Portal Transparência Brasil

A Transparência Brasil dividiu estados e capitais em grupos de maiores e menores PIBs2 per capita e confrontou os tamanhos das economias com os gastos parlamentares – que incluem salários, verbas e auxílios diversos a deputados estaduais e vereadores3 . O que se revelou foi uma inversão lógica: segundo dados coletados junto a Assembleias e Câmaras, estados mais pobres gastam em média 20% mais do que os ricos; capitais mais pobres, 16% a mais. 

O Pará, por exemplo, que tem um terço do PIB per capita de São Paulo, gasta 30% a mais por deputado estadual. A irracionalidade é a mesma quando se comparam as capitais: Natal, por exemplo, tem a metade do PIB per capita de Curitiba, mas empenha com seus vereadores o dobro da capital paranaense. 

Nas 13 capitais com os maiores índices de PIB per capita, a produção de bens e serviços é, em média, R$ 35.306 por ano. Esse montante é mais do que o dobro das 13 capitais mais pobres, cuja média é de R$ 15.953 anuais. No entanto, as Câmaras Municipais destas gastam por vereador 16% a mais com salários, auxílios e verbas indenizatórias do que as capitais com os maiores índices de PIB per capita; enquanto os pobres gastam em média de R$ 25.808 por mês, os ricos gastam R$ 22.332.

O mesmo ocorre nas Assembleias Legislativas. Enquanto os 12 estados4 da base têm PIB per capita de R$ 11.873, seus gastos com salários e verbas são 20% mais altos do que os dos 12 estados do topo – que têm R$ 28.686 de PIB per capita. Em média, são R$ 61.556 mensais gastos com verbas parlamentares nas economias pobres contra R$ 51.318 dos estados mais abastados.

Parlamentares burlam teto constitucional O Congresso brasileiro reajustou, no início de 2015, os salários de seus deputados federais de R$ 26,7 mil para R$ 33,8 mil. O aumento incide diretamente nos estados e municípios, uma vez que a Constituição impõe tetos em salários de deputados estaduais e vereadores de grandes cidades com base no que recebem os representantes federais. 

De acordo com o § 2º do artigo 27 da Constituição, deputados estaduais podem ter vencimentos de no máximo 75% o salário de deputados federais. Assim, reajustes foram repassados em todas as novas legislaturas de Assembleias Legislativas, e em 25 das 27 unidades federativas os deputados estaduais recebem agora o teto de R$ 25,3 mil5 . Em relação aos municípios, houve também reajuste no salário dos vereadores no início da atual legislatura, em 2013. Com um teto limitado a 75% dos salários de deputados estaduais6 , que à época recebiam até R$ 20.042, a maioria das Câmaras das capitais do país autorizou o reajuste, e Casas de dez capitais fixaram o salário para seus vereadores no teto de R$ 15.032. 

No entanto, duas Câmaras ofereciam salários acima desta quantia antes do reajuste das Assembleias: a de Teresina e a de Natal. Em 2013, foi aprovada uma lei em Natal que define os salários dos vereadores em R$ 17 mil. Na página de Transparência, no entanto, a Câmara natalense apenas informa o salário líquido de R$ 15.019. Já a Câmara Municipal de Teresina, que havia reajustado os salários no início de 2013 no teto permitido, aumentou a quantia novamente em março de 2014, para R$ 15.886. 

Nas outras capitais o salário-base se mantém no limite estipulado, mas em alguns casos os próprios vereadores criaram gratificações para cumprir atribuições que já são próprias do mandato. Em Boa Vista, a Mesa Diretora aprovou no início deste ano uma resolução que dá gratificações a membros da própria Mesa e de comissões permanentes da Casa. O único limite existente estabelece que gratificações não podem ser superiores a 80% do salário. Assim, embora o salário-base esteja estipulado em R$ 10.012,50, um vereador que atue em duas comissões pode vir a desembolsar R$ 18 mil8 . Nas Câmaras de Curitiba, Recife, Porto Alegre e Florianópolis, os presidentes recebem adicionais que variam de 6% a 50% do salário-base. Essa prática não é exclusiva das Câmaras Municipais. Na Assembleia Legislativa de Roraima, os deputados recebem extras de 55% do salário se forem presidente ou vice-presidente de comissões permanentes, de 65% se forem membro da Mesa Diretora e de 80% se for presidente da Casa. No Mato Grosso do Sul, além do presidente, que recebe extra de 50%, vice-presidente e 1º secretário, que recebem 40%, os outros membros da mesa e lideranças partidárias recebem 20% a mais de salário. Outras Assembleias que dão gratificações aos membros da mesa diretora são as dos estados do Piauí e Amapá.

Verbas indenizatórias astronômicas e sem controle Embora a Constituição preveja limite salarial dos parlamentares estaduais e municipais, não há determinações a respeito de outras fontes, como a verba indenizatória – que eles têm à disposição para cobrir gastos com escritório, aluguel de veículos, combustível, passagens,contratação de serviços de segurança e consultorias, entre outros. Os legisladores têm cotas mensais para cobrir esses gastos, ressarcidos mediante apresentação de nota fiscal. 
Como não há regulação federal, as cotas acabam variando bastante em cada estado e município. No caso da Câmara dos Deputados, os parlamentares têm cota que variam de R$ 30.416,80 (para deputados do Distrito Federal) a R$ 45.240,67 (para deputados de Roraima), porque leva em consideração o preço de passagens aéreas para o estado de origem do parlamentar. 
Se considerarmos que deputados estaduais não têm sua base eleitoral fora do estado – e, logo, não farão voos dispendiosos que devam ser ressarcidos pelo Estado –, não se justificam verbas indenizatórias superiores às dos deputados federais do Distrito Federal. Mas na maioria dos casos as cotas são superiores. A campeã é, de longe, Mato Grosso, cujo teto é de R$ 65 mil por mês. Outros onze estados dão cotas superiores à de deputados federais. A média de verba indenizatória dentre as Assembleias fica em R$ 31,8 mil.

Algumas regulamentações de uso da verba indenizatória são, no mínimo, curiosas. Na Assembleia do Rio Grande do Norte, uma das rubricas que pode justificar os R$ 24 mil mensais é a chamada "Apoio Cultural e a Entidades Sociais". O deputado estadual pode escolher entidades para realizar doações em seu nome pagos com o dinheiro do contribuinte9 . Nas Assembleias do Rio Grande do Sul e Paraíba, a verba é cumulativa; assim, caso não tenha gastado toda a cota do mês, o deputado tem uma provisão extra para seus gastos nos meses seguintes. Mas o caso mais absurdo é o de Mato Grosso: além de ter a Assembleia Legislativa com a cota mais alta do país, o pagamento deixou de ser indenizatório. Dessa maneira, os R$ 65 mil são depositados automaticamente na conta do parlamentar, que não precisa mais apresentar comprovantes fiscais antes de receber o dinheiro. Na Assembleia Legislativa do Ceará, o sistema é semelhante e a cota total fica disponível para o gabinete, sem que seja necessária a comprovação de gastos. Assim, os deputados estaduais cearenses recebem mensalmente montantes que variam de R$ 29 mil a R$ 36 mil, dependendo de cargos que tenham na mesa, em comissões, ou em liderança de bancada. 

Algumas Câmaras Municipais resolveram abolir o direito de vereadores receberem ressarcimento mediante apresentação de nota fiscal. Para cobrir despesas do mandato, a Câmara passará a abrir processo licitatório para compras conjuntas, o que facilita o controle de possíveis fraudes. Esses montantes costumam variar bastante por capital: enquanto a Câmara de Florianópolis administra R$ 2,3 mil por gabinete para passagens aéreas, telefonia, serviços postais, manutenção do escritório e serviços postais, a Câmara de Belo Horizonte disponibiliza R$ 15 mil por gabinete para licitações com vistas a compra de combustível, material de escritório, telefonia e informática. Ainda assim, a maioria das Câmaras mantém a verba, que é em média R$ 14,6 mil, mas varia de R$ 2,3 mil a R$ 25 mil. 

Em alguns casos, há um sistema misto, como por exemplo na Câmara Municipal de Recife, que provê passagens aéreas, serviços de telefonia e auxílio-combustível de R$ 2,3 mil mensais por meio de contratos administrativos e ainda oferece até R$ 4,6 mil para vereadores pedirem ressarcimento por outras despesas (alimentação, locomoção e contratação de consultorias). Até abril de 2015, a maior verba indenizatória entre todas as capitais era a da Câmara Municipal de Boa Vista, que, com seus R$ 35 mil mensais, superava até mesmo a média das Assembleias Legislativas e a quantia da Câmara dos Deputados. Após recentes denúncias na imprensa, a Casa decidiu diminuir a verba para R$ 14 mil – ou seja, uma redução de 60%. A nova campeã é a Câmara Municipal de Cuiabá, cuja verba de R$ 25 mil excede em 71% a média das Câmaras.

Verba de gabinete Os deputados federais têm direito de contratar até 25 assessores comissionados para auxiliá- los em seus gabinetes parlamentares, recebendo um total de R$ 92.053,20. Nas Assembleias, o montante reservado para pagamento de assessores é em média R$ 81,9 mil10. Em quatro casos os deputados estaduais gastam mais com assessores do que os federais. Um deles é o de Pernambuco, que disponibiliza R$ 97.200 mensais por deputado. Em São Paulo, os deputados têm R$ 125.996,30 para contratar até 32 funcionários. No Rio de Janeiro e no Distrito Federal, a verba chega a ser quase o dobro da verba federal: R$ 171.491 e R$ 173.265 para contratação de 20 e 23 funcionários, respectivamente.

Nas Câmaras Municipais as disparidades em relação à verba de gabinete para pagamento de funcionários comissionados também são grandes. Em média, os vereadores das capitais dispõem de R$ 37,1 mil para contratação de assessores. A capital paulista é a campeã em verba de gabinete: cada vereador dispõe de R$ 130,1 mil, montante semelhante ao dos deputados estaduais de São Paulo e que chega a ser 41% a mais que o disponível na Câmara dos Deputados. A capital carioca tem a segunda Câmara que mais gasta com assessores parlamentares: R$ 89,9 mil mensais.

O quanto cada Assembleia pesa no bolso em 2015 A única informação que nenhuma Assembleia consegue ocultar é seu próprio Orçamento, já que o Executivo publica anualmente as despesas orçamentárias de cada órgão da administração pública. Na maioria dos estados, o montante do Orçamento previsto para a Assembleia Legislativa em 2015 é inferior a 1% do PIB estadual, oscilando de 0,07% (em São Paulo) a 0,89% (em Tocantins). Em quatro estados, no entanto, o Orçamento da Assembleia supera 1%. A campeã isolada é a Assembleia de Roraima, que usa o equivalente a 2,3% do PIB estadual para cobrir seus gastos. Roraima é também o estado no qual cada contribuinte gasta mais para manter seu legislativo: R$ 352. Amapá e Acre também estão no topo dos Orçamentos mais caros, tanto em relação ao tamanho da economia como no que tange a contribuição por habitante.

Portais de Transparência: dificuldades para conseguir informações Todas as Casas legislativas dispõem de um Portal de Transparência, sítio na internet por meio do qual divulgam (ou deveriam divulgar) informações a respeito de gastos, contratos e remuneração de servidores, entre outros. A abertura de informações públicas de interesse público é um pilar básico para que possa haver um controle social mínimo sobre as Casas. No entanto, as informações a respeito de salários e gratificações, tetos legais de verba indenizatória e verbas de gabinetes estão frequentemente desatualizadas, escondidas e com montantes agregados – ou simplesmente não são publicadas, o que ocorre na maioria dos casos. 

Apenas a Assembleia Legislativa de Minas Gerais publica as informações de forma prática a respeito de salários e teto de verbas de seus deputados, a exemplo da Câmara dos Deputados. Ainda assim a informação de verba de gabinete está escondida na seção “FAQ”. Outras Casas disponibilizam as informações aos pedaços, como a Câmara Legislativa do Distrito Federal – que publica no sítio da Casa a lei que regulamenta a composição de cargos de assessores comissionados e o decreto que estipula as remunerações de cada cargo. Apenas um cidadão com muita paciência chegaria à informação do montante que o parlamentar dispõe para pagamentos de seus assessores (verba de gabinete). Já a Assembleia da Paraíba, embora explique detalhadamente o uso de verba indenizatória em “dúvidas frequentes”, informa um valor desatualizado. Parte dos sítios das Assembleias ou de seus Portais de Transparência disponibiliza gastos com parlamentares mês a mês, mas sem explicar claramente a que se referem os montantes pagos – por exemplo, gratificações a membros de comissões e Mesa Diretora. O mesmo ocorre em relação ao teto da verba indenizatória: pode-se acessar facilmente o montante que cada parlamentar recebeu no mês anterior a título de ressarcimento para cobrir despesas com material de escritório, passagens, combustível, hospedagem etc., mas raramente é dada a informação a respeito de como é regulamentado o uso das verbas, bem como seu limite mensal. O Portal da Transparência da Assembleia Legislativa do Maranhão, por exemplo, em “despesas com pessoal” informa apenas em montantes agregados o quanto a Casa empenhou com recursos humanos por mês. A última informação disponível é de dezembro de 2014. Na página de transparência da Assembleia Legislativa de Alagoas, há apenas arquivos em PDF dos editais de pregão abertos pela Casa. No sítio da Assembleia Legislativa do Pará, não é possível nem mesmo saber quem são os deputados estaduais da atual legislatura. Na Câmara Municipal de Macapá a situação é a mesma – não estão publicados os nomes dos atuais vereadores, o conteúdo é restrito a matérias da assessoria de comunicação. Em “nossos parlamentares”, por exemplo, há dez imagens com a legenda “Rui Barbosa”. 

Para contornar a deficiência de abertura de informações, a Transparência Brasil contatou as Casas em todos os estados. Após insistência, parte das Câmaras e Assembleias forneceram as informações por meio de suas assessorias de comunicação, assessorias legislativas, presidência, setores financeiro e de recursos humanos. Em alguns casos extremos, houve dificuldades até mesmo para conseguir número para contato telefônico. Em Alagoas, por exemplo, os telefones disponibilizados no sítio da Assembleia não existem. Foi preciso pesquisar o telefone particular da assessoria de comunicação para pedir informações. 

Nos 16 casos em que as assessorias não ajudaram, a Transparência Brasil enviou uma solicitação formal de acesso à informação, fundamentada na Lei nº 12.527 de 2011 – Lei de Acesso à Informação, LAI, na qual o Estado tem até 20 dias para responder (art. 11 § 1º). Apenas um quarto das Assembleias respeitaram a LAI e responderam no prazo, enquanto os outros três quartos (isto é, 12 de 16) não cumpriram a lei federal. Nenhuma das 12 chegou a pedir a prorrogação de 10 dias prevista no art. 11 § 2º. Após cobrança, apenas a Assembleia Legislativa da Bahia respondeu – com quase um mês de atraso. As outras 11 Assembleias não deram qualquer resposta, a saber: Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Ceará, Sergipe, Amapá, Pará, Acre, Maranhão – na Figura F2, representadas em rosa e vermelho. 

Mesmo após continuar com tentativas por telefone, por e-mail e por LAI, cinco Casas não deram informações sobre verbas de deputados estaduais: Acre, Amapá, Pará, Maranhão e Sergipe – , representadas em vermelho. No Pará, a assessoria de um deputado estadual colaborou prestando informações; a Assembleia, não.

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